Nos
trabalhos de sábado passado do Curso de Literatura de Autoria Feminina em
Brasília apresentamos dos livros "Uma morte muito suave" de Simone de
Beauvoir de "O xale" de Cynthia Ozick. O tema foi pesado: a morte da
mãe e a morte da filha. O texto que segue, com a originalíssima marca pessoal de Patrícia Baikal, foi escrito a
partir da perspectiva que ela mesma explica:
Querida
Lélia,
O
que mais me impressionou no romance "O xale" foi a loucura da Rosa.
Então,
escrevi este texto sobre os efeitos da loucura na alma. Ele se chama
"Todos os vivos merecem o hospício".
Beijos,
Patrícia.
“Todos
os vivos merecem o hospício”, por Patrícia Baikal:
A
loucura sempre foi para mim uma tentativa de cura. Sou louca porque tento
remediar as feridas causadas pelas minhas memórias. Um labirinto sem saída sou
eu, perdida entre tantos caminhos que dão a lugar nenhum, repleto de muros
intransponíveis de tijolos grossos. Alguém consegue ver o que há além dessas
paredes? Aqui, protegida pelos muros que me circundam, não há ninguém além de
mim. É assim a loucura, uma solidão só.
Sou
forte porque sobrevivo em meio ao caos. Não há comida que mate a minha fome,
nem banho que limpe os meus erros. Quanto pesa a culpa? É o peso destes
tijolos, empilhados um a um, com as minhas mãos velhas e calosas. Já não há
coluna que mantenha o meu corpo ereto; há apenas uma pena que se dobra com o
vento. Sinto-me assim, um paradoxo, ao mesmo tempo pesada e leve, feliz e
triste. Neste instante, sou uma pedra, amanhã não sei.
Para
aqueles que dizem que eu mereço o hospício eu respondo: todos os vivos merecem
o hospício. Quem não tem direito à cura? Às injeções de esquizofrenia? Aos
comprimidos de alucinações? Ao tempo, este antisséptico de efeitos demorados?
Eu tenho o direito a todos os furos nas minhas veias calibradas! Quero as gotas
incandescentes de soro, as dores de consciência e do corpo, o choque no meu
coração de batimentos lentos.
A
loucura trocou todos os meus órgãos, fez hemodiálise e transfusão. Após tantas
horas de cirurgia, eu aguardo o apagar dos meus olhos e o silêncio do repouso.
Sinto-me forte, com o sangue correndo acelerado. Se ontem eu era pedra, hoje
sou planta. Finalmente, consigo caminhar e ver a sanidade convidando-me a sair
por um estreito portão. O que teria sido de mim se não fosse a loucura? Corro
porque em mim só existe a pena, e se flutuo, é porque já estou curada.
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