segunda-feira, 1 de dezembro de 2014



Nos trabalhos de sábado passado do Curso de Literatura de Autoria Feminina em Brasília apresentamos dos livros "Uma morte muito suave" de Simone de Beauvoir de "O xale" de Cynthia Ozick. O tema foi pesado: a morte da mãe e a morte da filha. O texto que segue, com a originalíssima marca pessoal de Patrícia Baikal, foi escrito a partir da perspectiva que ela mesma explica:
Querida Lélia,
O que mais me impressionou no romance "O xale" foi a loucura da Rosa.
Então, escrevi este texto sobre os efeitos da loucura na alma. Ele se chama "Todos os vivos merecem o hospício".
Beijos,
Patrícia.

“Todos os vivos merecem o hospício”, por Patrícia Baikal:

A loucura sempre foi para mim uma tentativa de cura. Sou louca porque tento remediar as feridas causadas pelas minhas memórias. Um labirinto sem saída sou eu, perdida entre tantos caminhos que dão a lugar nenhum, repleto de muros intransponíveis de tijolos grossos. Alguém consegue ver o que há além dessas paredes? Aqui, protegida pelos muros que me circundam, não há ninguém além de mim. É assim a loucura, uma solidão só.
Sou forte porque sobrevivo em meio ao caos. Não há comida que mate a minha fome, nem banho que limpe os meus erros. Quanto pesa a culpa? É o peso destes tijolos, empilhados um a um, com as minhas mãos velhas e calosas. Já não há coluna que mantenha o meu corpo ereto; há apenas uma pena que se dobra com o vento. Sinto-me assim, um paradoxo, ao mesmo tempo pesada e leve, feliz e triste. Neste instante, sou uma pedra, amanhã não sei.
Para aqueles que dizem que eu mereço o hospício eu respondo: todos os vivos merecem o hospício. Quem não tem direito à cura? Às injeções de esquizofrenia? Aos comprimidos de alucinações? Ao tempo, este antisséptico de efeitos demorados? Eu tenho o direito a todos os furos nas minhas veias calibradas! Quero as gotas incandescentes de soro, as dores de consciência e do corpo, o choque no meu coração de batimentos lentos.
A loucura trocou todos os meus órgãos, fez hemodiálise e transfusão. Após tantas horas de cirurgia, eu aguardo o apagar dos meus olhos e o silêncio do repouso. Sinto-me forte, com o sangue correndo acelerado. Se ontem eu era pedra, hoje sou planta. Finalmente, consigo caminhar e ver a sanidade convidando-me a sair por um estreito portão. O que teria sido de mim se não fosse a loucura? Corro porque em mim só existe a pena, e se flutuo, é porque já estou curada. 

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