Da
produção livre de Marinete Merss, do Curso de Literatura de Autoria Feminina em
Brasília e sua emocionada declaração de genealogia e “affidamento” com Mercedes
Sosa:
“Gracias
a Mercedes Sosa”, por Marinete Merss:
No
final dos anos 1970, chorei pela primeira vez com Mercedes. Lembro-me que tinha
futebol na televisão e foi preciso intensa luta para que meu pai ordenasse:
hoje ela assiste ao show. Ali, no escuro da sala de nossa casa, sozinha em
frente à TV, o som baixinho para não atrapalhar os que já dormiam, ela me
acolheu com sua voz terna, forte e cheia de energia.
Chorei
por mais de uma hora inteira, completamente agradecida por meu pai ter me dado,
o que só agora percebo, a conquista da menina-mulher por seus direitos:
conhecer Mercedes Sosa. Não lembro quem jogava, mas a vitória foi nossa, minha
e da Mercedes.
Com
ela, aprendi a dor do povo latino-americano, aprendi que mulher embala filho
com música de esperança: “Duerme, duerme negrito, que su máma está en el campo,
negrito”. Nossas festas partidárias eram turbinadas com sua música, avivando
sonhos por um mundo melhor.
Bertolt
Brecht se tornou um amigo de todo dia, ao recitá-lo nos fez saber “que homens
que lutam um dia são bons, mas os que lutam toda uma vida são imprescindíveis”.
Nos cadernos universitários, registrei os versos que Mercedes escolhera para
mostrar que a vida é batalha cotidiana feita de persistência.
Mais
tarde, a mente cheia de ideologias, marchou comigo cantando o hino de nossa
greve: “Sólo le pido a Diós”. Foram 57 dias de luta por uma educação melhor,
dias de angústias, sofrimentos, mas o seu canto nos acalentava.
Com
ela conheci Violeta Parra, compositora chilena elevada à condição de profeta
por Mercedes, que sempre lançou ao mundo os poetas, enaltecendo seus versos com
a doçura de sua voz e a firmeza de sua interpretação.
Com
a canção “Gracias a la Vida” agradeço à vida por “ter me dado dois olhos, que
quando os abro descubro as virtudes do homem que amo”. Assim, cantando com ela,
consigo homenagear meus amores e reviver sentimentos intensos.
Obrigada,
Mercedes, por ter me dado tanto. Prometo que a dor, a injustiça e a
desigualdade não me serão indiferentes.
O texto da Marinete é uma oração. Obedece à liturgia do entusiasmo, da luta, da compaixão, embalados na voz de Mercedes. Obrigada a você, Marinete, por esse momento de pura reflexão sobre as belas coisas da vida.
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