segunda-feira, 1 de dezembro de 2014



Da produção livre de Maria Cristina Petrucci Sole que fez o Curso de Literatura de Autoria Feminina em seu formato online. Vale cada linha!

“Eu e Madame Bovary viajando juntas”, por Maria Cristina Petrucci Sole.
 
              Adivinhem o que estou lendo agora? Flaubert, isso mesmo, sobre aquela anciã, a Ema Bovary. Tento entender as Madames Bovary, tento acompanhar os caminhos desses desejos que pareciam tão soltos e fluidos quanto os vestidos de seda descritos no livro.    
A moral burguesa demandou da mulher uma posição. A cultura europeia produziu uma quantidade inédita de discursos sobre o feminino, atribuindo predicados, funções e atributos que seriam denominados de femininos. Produziu segundo Foucault um conjunto de estratégias que seria a chamada “sexualidade feminina”, isto e, uma sexualidade adequada ao lugar que deve ser ocupado pela mulher na família burguesa. Um psiquiatra chamado Gaultier chamou de “bovarismo” aos conflitos de uma feminilidade em crise como a vivida pelas mulheres do século 19. Ele dizia que bovarismo era toda forma de ilusão do eu e de insatisfação, desde a fantasia de ser um outro até a crença no livre arbítrio”
   Maria Rita Kehl diz que esses sintomas transcritos para as mulheres foram entendidos como patologias, sintomas histéricos para alguns médicos e paranoia para outros. E, o que é mais interessante, esses sintomas seriam produzidos pelo acesso dessas mulheres “novas ricas” a literatura: “Quantas delas teriam perdido a cabeça a força da literatura?”
   Madame Bovary se refugia nos livros e parte deles seus sonhos de uma vida mais esfuziante e de uma paixão calorosa. Flaubert publica os primeiros capítulos de Madame Bovary em 1856, ano do nascimento de Freud, mas até agora segue sendo valida a mesma critica a “grotesca mentalidade burguesa” que ele faz no livro. Freud disse que os poetas, como Flaubert, sabem por intuição e antecipadamente aquilo que os cientistas trabalham e pesquisam anos a fio para compreender.
        Tento entender humildemente o desejo insatisfeito, aquilo que parece nos levar ao abismo da busca incessante, mas que é, para as mulheres, ainda grotescamente reprimido na sua manifestação. Frívolas, insatisfeitas, histéricas nomes dados a essas que buscam equivocadamente um desejo possível de ser satisfeito. Quem sabe um nirvana.
  Minha avó declamava para mim na minha infância
“-Maria aonde vai?
-Ao mercado como vês
-Assim, tão só? E se o demo te encontra?
-Pergunto ao Demo o que quer
-E se ele te pede um beijo?
- Dou-lhe ate mais se quiser
- Então sou o Demo, dá-me um beijo.
- Não, mamãe disse outro dia que rapariga solteira que dá um beijo em um rapaz, ferve-lhe o sangue nas veias e jaz!! Nunca mais”
 Assim, fazia alusão ao desejo sexual que deveria ser controlado no casamento sob pena de ver a rapariga se perder nas mãos de um diabo qualquer.
         Não sei se fui uma boa aluna, mas anos de analise me fazem recusar essa moral grotesca.
        No entanto, outro discurso na linguagem tenta aprisionar as mulheres em um novo estigma: “Sexy and City”.
       Mulheres bonitas, modernas, independentes, donas de seus orgasmos e de suas camas não encontram homens capazes de estar a altura de tamanha perfeição e aqueles que são bons o suficiente para merecem um beijo, são fluidos no amor, não se prendem a ninguém.
      Será mesmo que Ema Bovary se suicidou, duvido. Acho que ela saiu como Medeia nos braços do “Deus ex machina”, voltando sempre e sempre no discurso sobre o feminino e sobre o comportamento das mulheres e denunciando a fraqueza dos homens e a impossibilidade da plenitude.

A imperatriz Sissi e a psicanálise”, por Maria Cristina Sole:

Ao perseguir com o meu interesse sobre o que o discurso da cultura falou e fala sobre o feminino na literatura e, supondo que a partir desse discurso, construído quase na sua totalidade pela visão dos homens, a visão que temos do feminino se construiu.
Deparei-me com a história da Imperatriz Sissi contada de duas formas interessantes e completamente antagônicas.
Célia Bertin, historiadora e biógrafa, em “A mulher em Viena nos tempos de Freud”, com o objetivo de contextualizar historicamente os primeiros escritos de psicanálise, relata um pouco da vida da Imperatriz Sissi. Segundo a autora em 1848, Francisco José é coroado imperador da Áustria pelo esforço de sua mãe a Arquiduquesa Sofia. O jovem Imperador proporciona a seu povo a imagem de um príncipe devoto e de acordo com sua mãe é alto, elegante, excelente cavaleiro e dançarino, isto é, muito admirado por ela.
  No verão de 1853 a mãe decide que sua sobrinha Helena seria esposa perfeita para o Imperador. Mesmo não interessado, Francisco José, acataria os desejos maternos se não houvesse conhecido Elisabete, sua prima de 15 anos, chamada de Sissi pela família.
 De acordo com Célia Bertin, Sissi foi ao mesmo tempo beleza e poesia. Ela foi criada no meio de uma paisagem romântica, perto de um lago, num castelo um tanto arruinado, povoado de animais em liberdade, de crianças alegres, de personagens heteróclitos que não se encontram normalmente em ambientes de príncipes. Conhecia as estrelas, os nomes das árvores, e andava melhor a cavalo, do que frequentava as aulas. A arquiduquesa reconheceu que o filho era “amado como um tenente e está feliz como um deus”, mas se desesperou e chamava a futura nora de “gansinha bávara”. Nesse clima de hostilidade com a sogra, Sissi foi recebida no palácio com olhares de antipatia. Embora Viena tenha sido fascinada pela beleza e pela naturalidade que dela emanava, a corte a recebeu com desconfiança e inveja. A sogra impedia que ela acompanhasse o marido nas viagens e esta a tratava como uma menina alegre, quase um brinquedo.
Então, segundo a autora, essa foi a motivação que levou a Imperatriz a viajar sem parar buscando um canto onde pudesse viver em paz, já que o marido nunca deu ouvidos aos seus protestos insistentes, tornando-se um burocrata que não ergueu o nariz da politica. Tudo isso sem contar o suicídio do filho Rodolfo, um ano antes do seu assassinato.
Assim, segundo Célia Bertin, Sissi, a Imperatriz era uma linda mulher, livre e apaixonada que foi obrigada a viver sob as regras de uma sociedade que não lhe concedia um lugar outro que não o de objeto de admiração. Frustrada e reprimida viajava pelo mundo fugindo dessa condição.
No entanto, essa não é a visão que apresenta Bruno Bettlheim em “A Viena de Freud e outros ensaios”. Bettlheim, psicanalista vienense e muito conhecido no Brasil pelo livro “Psicanalise dos Contos de Fadas”, descreve Sissi de um modo bem diferente e menos romântico. Também na tentativa de contextualizar a Viena onde nasceu a psicanálise, ele descreve a vida do Imperador Francisco José e de Sissi, a jovem imperatriz. Segundo esse autor, o casamento do Imperador com a princesa bávara muito jovem e muito bela era uma união de grande amor e devoção da parte dele e que perdurou por toda sua vida. No entanto, apesar do empenho de Francisco José em agradar Sissi e fazê-la feliz, ela não tardou a se afastar do marido e da corte, uma processo que foi extremando até a princesa praticamente deixar de conviver com o marido ou retornar a Viena. Bettlheim considera que a Imperatriz foi uma mulher histérica, narcisista e anoréxica que para conservar sua beleza, atributo responsável por sua ascensão ao trono passava fome, em dietas exageradas. Sissi viajava com malas suficientes para encher vagões de trem, de modo que sempre tinha a disposição roupas caras e bonitas, mas finalmente passou a viajar com apenas uma peça de roupa sobre o corpo nu. Não usava roupa íntima e, para horror dos companheiros, nem meias.
Para o autor o sintoma mais claro de sua neurose eram as incessantes e despropositadas viagens por toda a Europa que “Não lembravam a regularidade tranquila e deliberada das aves migratórias, mas antes o voo vertiginoso e errático de um espírito desraizado que agita as asas, sem se dar descanso e objetivo”.
     Comparando esses dois pontos de vista, podemos dizer que Célia Bertin viu Sissi como uma mulher infeliz, insatisfeita com o lugar que lhe era destinado, agindo em busca de uma identidade que lhe fizesse sentido. Bruno Bettlheim a viu como uma narcisista anoréxica que não foi capaz de satisfazer-se com o amor do dedicado marido, sendo a sua insatisfação fruto de sua neurose narcísica e não da repressão social. O autor faz uma leitura da insatisfação de Sissi a partir da visão que o masculino desde sempre teve, como uma buraco negro sem fundo e ameaçador.
Sendo assim a psicanálise não teria nascido da escuta a dor da alma da mulher vienense e da repressão sexual a qual eram submetidas essa mulheres, mas para curar sua doença mental, a histeria.
Quem conta um conto, aumenta um ponto.


“Janelas", por Maria Cristina Sole:

Muito boa a associação com a janela, me fizeram lembrar uma serie de símbolos em torno do estar à janela. Claro que a mais rápida associação foi com Alambra e com as ripas de madeira que cobrem as janelas do harém, as mulheres não podiam serem vistas e só podiam ver o mundo através desse obstáculo, modernamente o véu e a burca. Outra lembrança foi a Gabriela, Cravo e Canela, que esperava na janela, e a Olga, uma personagem das historias de minha avó que mandou o marido embora e depois suspirava na janela. Na minha terra estar à janela demonstrava desocupação e falta de decoro. Mas também me chamou a atenção o impedimento a educação e a leitura. Claro que me remeto a Madame Bovary que foi acusada de ler demais. Na escola onde minha mãe estudou interna, as meninas eram impedidas de ler determinadas obras e o pastor que lecionava literatura dizia que a Ana Terra era uma puta. Visão interessante, não?
Muito interessante nessa linha o ultimo artigo do livro de Diana Corso, Tomo Conta do Mundo. Nesse artigo, Sem Medo de Virginia Woolf, ela trabalha um pouco a construção que a literatura tenta fazer do feminino e o lugar da mulher. A literatura e exatamente por ser dominada pela visão masculina, ressalta a insatisfação do desejo feminino (vide Madame Bovary) o buraco negro que os homens temem, mas ignorando que é próprio do desejo ser insatisfeito. Assim sendo, o que as mulheres fazem é só denunciar isso. Diana diz que a mulher se faz de espaço, diferente de ser equiparada a um objeto para preencher vazios e  que aquilo que parece superficialidade é só para distrair-se de si, ninar-se com a própria voz, adormecer a angustia.

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