Da produção livre de Maria
Cristina Petrucci Sole que fez o Curso de Literatura de Autoria Feminina em seu
formato online. Vale cada linha!
“Eu e Madame Bovary viajando juntas”, por Maria
Cristina Petrucci Sole.
Adivinhem o que estou lendo agora? Flaubert, isso mesmo, sobre aquela
anciã, a Ema Bovary. Tento entender as Madames Bovary, tento acompanhar os
caminhos desses desejos que pareciam tão soltos e fluidos quanto os vestidos de
seda descritos no livro.
A moral burguesa demandou da mulher uma
posição. A cultura europeia produziu uma quantidade inédita de discursos sobre
o feminino, atribuindo predicados, funções e atributos que seriam denominados
de femininos. Produziu segundo Foucault um conjunto de estratégias que seria a
chamada “sexualidade feminina”, isto e, uma sexualidade adequada ao lugar que
deve ser ocupado pela mulher na família burguesa. Um psiquiatra chamado
Gaultier chamou de “bovarismo” aos conflitos de uma feminilidade em crise como
a vivida pelas mulheres do século 19. Ele dizia que bovarismo era toda forma de
ilusão do eu e de insatisfação, desde a fantasia de ser um outro até a crença
no livre arbítrio”
Maria
Rita Kehl diz que esses sintomas transcritos para as mulheres foram entendidos
como patologias, sintomas histéricos para alguns médicos e paranoia para
outros. E, o que é mais interessante, esses sintomas seriam produzidos pelo
acesso dessas mulheres “novas ricas” a literatura: “Quantas delas teriam
perdido a cabeça a força da literatura?”
Madame Bovary se refugia nos livros e parte deles seus sonhos de uma
vida mais esfuziante e de uma paixão calorosa. Flaubert publica os primeiros
capítulos de Madame Bovary em 1856, ano do nascimento de Freud, mas até agora
segue sendo valida a mesma critica a “grotesca mentalidade burguesa” que ele
faz no livro. Freud disse que os poetas, como Flaubert, sabem por intuição e
antecipadamente aquilo que os cientistas trabalham e pesquisam anos a fio para
compreender.
Tento entender humildemente o desejo insatisfeito, aquilo que parece nos
levar ao abismo da busca incessante, mas que é, para as mulheres, ainda
grotescamente reprimido na sua manifestação. Frívolas, insatisfeitas,
histéricas nomes dados a essas que buscam equivocadamente um desejo possível de
ser satisfeito. Quem sabe um nirvana.
Minha
avó declamava para mim na minha infância
“-Maria aonde vai?
-Ao mercado como vês
-Assim, tão só? E se o demo te encontra?
-Pergunto ao Demo o que quer
-E se ele te pede um beijo?
- Dou-lhe ate mais se quiser
- Então sou o Demo, dá-me um beijo.
- Não, mamãe disse outro dia que rapariga
solteira que dá um beijo em um rapaz, ferve-lhe o sangue nas veias e jaz!!
Nunca mais”
Assim,
fazia alusão ao desejo sexual que deveria ser controlado no casamento sob pena
de ver a rapariga se perder nas mãos de um diabo qualquer.
Não sei se fui uma boa aluna, mas anos de analise me fazem recusar essa
moral grotesca.
No entanto, outro discurso na linguagem tenta aprisionar as mulheres em
um novo estigma: “Sexy and City”.
Mulheres bonitas, modernas, independentes, donas de seus orgasmos e de
suas camas não encontram homens capazes de estar a altura de tamanha perfeição
e aqueles que são bons o suficiente para merecem um beijo, são fluidos no amor,
não se prendem a ninguém.
Será mesmo que Ema Bovary se suicidou, duvido. Acho que ela saiu como
Medeia nos braços do “Deus ex machina”, voltando sempre e sempre no discurso
sobre o feminino e sobre o comportamento das mulheres e denunciando a fraqueza
dos homens e a impossibilidade da plenitude.
“A
imperatriz Sissi e a psicanálise”, por Maria Cristina Sole:
Ao
perseguir com o meu interesse sobre o que o discurso da cultura falou e fala
sobre o feminino na literatura e, supondo que a partir desse discurso,
construído quase na sua totalidade pela visão dos homens, a visão que temos do
feminino se construiu.
Deparei-me
com a história da Imperatriz Sissi contada de duas formas interessantes e
completamente antagônicas.
Célia
Bertin, historiadora e biógrafa, em “A mulher em Viena nos tempos de Freud”,
com o objetivo de contextualizar historicamente os primeiros escritos de
psicanálise, relata um pouco da vida da Imperatriz Sissi. Segundo a autora em
1848, Francisco José é coroado imperador da Áustria pelo esforço de sua mãe a
Arquiduquesa Sofia. O jovem Imperador proporciona a seu povo a imagem de um
príncipe devoto e de acordo com sua mãe é alto, elegante, excelente cavaleiro e
dançarino, isto é, muito admirado por ela.
No verão de 1853 a mãe decide que sua
sobrinha Helena seria esposa perfeita para o Imperador. Mesmo não interessado,
Francisco José, acataria os desejos maternos se não houvesse conhecido
Elisabete, sua prima de 15 anos, chamada de Sissi pela família.
De acordo com Célia Bertin, Sissi foi ao mesmo
tempo beleza e poesia. Ela foi criada no meio de uma paisagem romântica, perto
de um lago, num castelo um tanto arruinado, povoado de animais em liberdade, de
crianças alegres, de personagens heteróclitos que não se encontram normalmente
em ambientes de príncipes. Conhecia as estrelas, os nomes das árvores, e andava
melhor a cavalo, do que frequentava as aulas. A arquiduquesa reconheceu que o
filho era “amado como um tenente e está feliz como um deus”, mas se desesperou
e chamava a futura nora de “gansinha bávara”. Nesse clima de hostilidade com a
sogra, Sissi foi recebida no palácio com olhares de antipatia. Embora Viena
tenha sido fascinada pela beleza e pela naturalidade que dela emanava, a corte
a recebeu com desconfiança e inveja. A sogra impedia que ela acompanhasse o
marido nas viagens e esta a tratava como uma menina alegre, quase um brinquedo.
Então,
segundo a autora, essa foi a motivação que levou a Imperatriz a viajar sem
parar buscando um canto onde pudesse viver em paz, já que o marido nunca deu
ouvidos aos seus protestos insistentes, tornando-se um burocrata que não ergueu
o nariz da politica. Tudo isso sem contar o suicídio do filho Rodolfo, um ano
antes do seu assassinato.
Assim,
segundo Célia Bertin, Sissi, a Imperatriz era uma linda mulher, livre e
apaixonada que foi obrigada a viver sob as regras de uma sociedade que não lhe
concedia um lugar outro que não o de objeto de admiração. Frustrada e reprimida
viajava pelo mundo fugindo dessa condição.
No
entanto, essa não é a visão que apresenta Bruno Bettlheim em “A Viena de Freud
e outros ensaios”. Bettlheim, psicanalista vienense e muito conhecido no Brasil
pelo livro “Psicanalise dos Contos de Fadas”, descreve Sissi de um modo bem
diferente e menos romântico. Também na tentativa de contextualizar a Viena onde
nasceu a psicanálise, ele descreve a vida do Imperador Francisco José e de
Sissi, a jovem imperatriz. Segundo esse autor, o casamento do Imperador com a
princesa bávara muito jovem e muito bela era uma união de grande amor e devoção
da parte dele e que perdurou por toda sua vida. No entanto, apesar do empenho
de Francisco José em agradar Sissi e fazê-la feliz, ela não tardou a se afastar
do marido e da corte, uma processo que foi extremando até a princesa praticamente
deixar de conviver com o marido ou retornar a Viena. Bettlheim considera que a
Imperatriz foi uma mulher histérica, narcisista e anoréxica que para conservar
sua beleza, atributo responsável por sua ascensão ao trono passava fome, em
dietas exageradas. Sissi viajava com malas suficientes para encher vagões de
trem, de modo que sempre tinha a disposição roupas caras e bonitas, mas
finalmente passou a viajar com apenas uma peça de roupa sobre o corpo nu. Não
usava roupa íntima e, para horror dos companheiros, nem meias.
Para
o autor o sintoma mais claro de sua neurose eram as incessantes e
despropositadas viagens por toda a Europa que “Não lembravam a regularidade
tranquila e deliberada das aves migratórias, mas antes o voo vertiginoso e
errático de um espírito desraizado que agita as asas, sem se dar descanso e
objetivo”.
Comparando esses dois pontos de vista,
podemos dizer que Célia Bertin viu Sissi como uma mulher infeliz, insatisfeita
com o lugar que lhe era destinado, agindo em busca de uma identidade que lhe
fizesse sentido. Bruno Bettlheim a viu como uma narcisista anoréxica que não
foi capaz de satisfazer-se com o amor do dedicado marido, sendo a sua
insatisfação fruto de sua neurose narcísica e não da repressão social. O autor
faz uma leitura da insatisfação de Sissi a partir da visão que o masculino
desde sempre teve, como uma buraco negro sem fundo e ameaçador.
Sendo
assim a psicanálise não teria nascido da escuta a dor da alma da mulher
vienense e da repressão sexual a qual eram submetidas essa mulheres, mas para
curar sua doença mental, a histeria.
Quem
conta um conto, aumenta um ponto.
“Janelas",
por Maria Cristina Sole:
Muito
boa a associação com a janela, me fizeram lembrar uma serie de símbolos em
torno do estar à janela. Claro que a mais rápida associação foi com Alambra e
com as ripas de madeira que cobrem as janelas do harém, as mulheres não podiam
serem vistas e só podiam ver o mundo através desse obstáculo, modernamente o véu
e a burca. Outra lembrança foi a Gabriela, Cravo e Canela, que esperava na
janela, e a Olga, uma personagem das historias de minha avó que mandou o marido
embora e depois suspirava na janela. Na minha terra estar à janela demonstrava
desocupação e falta de decoro. Mas também me chamou a atenção o impedimento a
educação e a leitura. Claro que me remeto a Madame Bovary que foi acusada de
ler demais. Na escola onde minha mãe estudou interna, as meninas eram impedidas
de ler determinadas obras e o pastor que lecionava literatura dizia que a Ana
Terra era uma puta. Visão interessante, não?
Muito
interessante nessa linha o ultimo artigo do livro de Diana Corso, Tomo Conta do
Mundo. Nesse artigo, Sem Medo de Virginia Woolf, ela trabalha um pouco a
construção que a literatura tenta fazer do feminino e o lugar da mulher. A
literatura e exatamente por ser dominada pela visão masculina, ressalta a
insatisfação do desejo feminino (vide Madame Bovary) o buraco negro que os
homens temem, mas ignorando que é próprio do desejo ser insatisfeito. Assim
sendo, o que as mulheres fazem é só denunciar isso. Diana diz que a mulher se
faz de espaço, diferente de ser equiparada a um objeto para preencher vazios
e que aquilo que parece superficialidade
é só para distrair-se de si, ninar-se com a própria voz, adormecer a angustia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário