Da produção livre de Laura Helena Chaves Nunes Vieira que fez o Curso de Literatura de Autoria Feminina em seu formato online. Um belo conto que conta das dores da felicidade esgarçada.
“Dias cinzentos”, por Laura Helena Chaves Nunes
Vieira.
Érica
acordou sobressaltada, esfregou os olhos e se arrastou para fora da cama. O
marido já havia levantado e deixara as roupas espalhadas pelo quarto, em uma
bagunça não habitual. Com o corpo dolorido e os olhos inchados, foi até o
banheiro e entrou no chuveiro, deixando a água correr sobre seu corpo. Sentia-se
entorpecida, como se tivesse bebido demais. Tudo parecia distante e irreal.
A cerimônia do dia anterior, com a sucessão
das horas e dos rituais: as palavras ditas e repetidas na monotonia das
cortesias, a que se obrigara a agradecer polidamente; os olhares e os comentários
dissimulados, tão previsíveis como seus protagonistas, que ela educadamente
fingia não perceber; a sensação – terrível e constante – de que toda a atenção
se voltava para ela, na tentativa de apreender um gesto ou uma palavra que
rompesse com o protocolo. Manteve seus músculos tão retesados que ainda sentia
dor.
Durante todo o dia evitou o marido e ao deitar
virou-lhes as costas, pois não queria ter que explicar o que não conseguia
entender. Nem sabe se percebeu, mas não podia a ideia de ser olhada ou, pior,
questionada por ele. Felizmente, estava ensimesmado e não a incomodou. Talvez
jamais recuperassem a alegria, a cumplicidade e o desejo. Depois de uma vida
juntos, foram pegos de surpresa; logo eles, tão confiantes, tão decididos, tão
ingênuos, por acreditarem na felicidade que se esgarçou junto com todos os
sonhos e projetos.
Saiu do banho e se enxugou sem sentir sua pele
ou seu cheiro. Estremeceu e sentiu novamente a dor nos músculos. Vestiu-se
mecanicamente, olhou pela janela; mal percebeu o dia cinzento, mas entendeu que
agora eles seriam assim, sem cor. Seu olhar se perdeu no horizonte, enquanto os
minutos se arrastavam. Deixou-se ficar, braços ao longo do corpo, costas
curvada, inerte.
Queria sentir dor, raiva, qualquer coisa que a
fizesse gritar, chorar, amaldiçoar ou lamentar. Qualquer coisa que diminuísse o
vazio em que se tinha transformado. Só saiu do torpor quando o marido entrou no
quarto e a abraçou. Após chorarem juntos, Érica e Armando, em silêncio,
dirigiram-se ao quarto contíguo e tentaram encaixotar roupas, cadernos, fotos e
a coleção de Barbies.
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