Depois
da leitura do Hino Homérico à Deméter a produção sempre originalíssima de Patrícia
Baikal:
“Hino
moderno à Deméter – A Elêusis é ali”, por Patrícia Baikal.
Deméter
era a deusa do Leblon.
Sua
filha de grossos tornozelos
era a moça que Hades raptou.
Bem
longe de Deméter, Perséfone
vagava na areia de diamantes,
cacos que serviam para refletir
rara beleza nunca vista antes.
Quando no mar violento de ondas
verdes e azuladas, Perséfone
brincava de lembrar
de sua infância,
um homem procurado foi visto por
todos: por
aqueles que se banhavam
e ainda por outros que se rachavam
no Sol quente,
com seus biscoitos secos,
vendidos no
duro labor ardente.
Ao ver o homem (ou deus?) com os braços
fortes e olhos de mesma cor do mar,
ela pensou: “ Em qual mar vou me banhar?”
Fascinada, andou sobre os cacos,
sem medo de cortar seus tão frágeis
pés.
Sentiu a terra se abrir, e o céu
do alto a grande praia engolir.
O tempo não calculou os segundos
até a fuga tão indesejada.
“Alguém viu minha filha
Perséfone?”,
a mãe desesperada procurava.
“Não, madame”, transeuntes falavam.
Ninguém havia sido testemunha
do rapto muito ligeiro do amor.
“Não houve gritos de moça nenhuma”,
“Não há por que ter receio ou
pavor”.
Dor aguda lhe tomou o coração
e aumentou quando alguém lhe contou:
“Perséfone está em grande risco:
com o chefe do morro do Alemão”.
Deméter pôs um véu sobre os
ombros
e se atirou como um pássaro,
sobre o sólido e o líquido,
procurando-a, sozinha, no morro,
na favela escura e temida.
Ninguém
a via ou reconhecia.
Ela
vagou, durante nove dias,
Dia
e noite, de casa em casa,
Atrás
da bela e única filha.
Cansada
da procura incessante,
Deméter
se jogou, martirizada,
oca, aflita, no meio do barro,
Queria
deixar a alma pesada.
“Quem
és tu e vem de onde, oh, velha?” ,
perguntou
uma humilde senhora,
trabalhadora
e mãe dedicada.
“Sou uma cuidadora, à procura
de um lugar digno para trabalhar”.
“Em minha casa você pode ficar,
e terás pão que a alimentará.
Trabalho para madames do Leblon,
Vivo cuidando das crianças de lá,
mas ninguém cuida das do lado de
cá.”
Deméter não recusou a proposta;
No morro ficaria, sem lamentar,
Até a amada filha encontrar.
Durante os anos que se passaram,
a deusa colecionava amigos,
entre balas de revólver e gritos,
Deméter não pensava em desistir:
Na sombria noite definitiva,
os moradores eram um batalhão,
Deméter tirou o véu e procurou
Hades, chefe do morro do Alemão.
“Eu vim buscar minha amada filha,
Um grande batalhão luta comigo;
A polícia te levará à prisão”.
Perséfone surgiu entre as sombras,
Surpresa, gritava ao ver sua mãe.
“Quer mesmo me deixar?”, perguntou Hades.
“Se comigo ficares para sempre,
terás no morro as maiores honras”.
Os olhos vermelhos de Perséfone
delataram o veneno dos loucos:
o pó perigoso da cor das nuvens.
Deméter
abraçou a sua filha
e
a molhou, vertendo sobre ela
as
suas lágrimas tão destemidas.
O
banho fez Perséfone suspirar,
“Oh,
tenha compaixão de sua filha!
Me
cure, mãe, não deixe de me amar!”
Rapidamente,
elas correram juntas,
e
atravessaram juntas o morro.
Deméter
sentia que sua filha,
moça
ingênua de mente sadia
Não
mais existia nem voltaria.
Perdera
a antiga Perséfone.
Deméter
sabia: para o morro
sua
filha ainda voltaria.
Mesmo cheia de pó, Perséfone ainda é a filha querida de Deméter. Mas, no morro do Alemão, as coisas são ainda mais difíceis que no reino das sombras, porque todos são mortais. Em vez de poder, mãe e filha têm que contar com a sorte. Esse poema terrível da Patrícia nos lembra que, para um ano novo feliz, devemos comer sementes de romã. Será que teremos um paradoxo? Por favor, Patrícia, continue esse hino, maravilhoso e inovador. Desejo saber mais. Parabéns!
ResponderExcluir