De su ventana a la mía:
A escritora espanhola Carmen Martín Gaite em 1982 escreveu uma carta linda para sua mãe, De su ventana a la mía, um exercício de imaginação, onde ela, desde o East River, debruçada sobre a janela, alcançava a mãe numa janela da memória e compreendia, finalmente, os anseios e desejos de fuga, solidão e imaginação daquela mulher. As janelas que nos fazem sonhar, duvidar, imaginar.
Escrevi uma carta para a Gaite contando das mulheres ventaneras de Brasília, quando da nossa despedida em dezembro de 2014.
Volto a postá-la recomeçando os trabalhos em Porto Alegre, e para recepcionar as novas mulheres ventaneras!
Brasília,
31 de janeiro de 2014.
Minha
querida Carmen Martín Gaite,
Neste ano da graça de 2014 resolvi me
dar um presente. Depois de compreender que a muitos anos cumpro diversas
tarefas por dia em trabalhos que não amo exatamente para poder ter condições de
dedicar algumas horas semanais aos trabalhos que realmente amo – ler, escrever
e falar sobre as mulheres com outras
mulheres – entendi, finalmente, que estava fazendo tudo errado e que não podia
mais adiar algumas mudanças. O presente que eu me dei foi a criação em Brasília
do Grupo de Literatura de Autoria Feminina. Na época, duvidando da iniciativa,
ouvi da Ana Liési que eu era uma mulher de pouca fé e termino este ano certa de
que sou uma mulher de muita fé. Convoquei as mulheres e elas compareceram. A
perspectiva do trabalho era a sua, Gaite, de refletir sobre as mulheres
ventaneras, sobre as mulheres que, na janela, espicham o olho e a alma através
da janela e se permitem imaginar, sonhar e escrever. E da perspectiva da
importância dos espelhos na vida das mulheres que crescem e se transformam
através de relações especulares com outras mulheres. Como num conto seu onde a
protagonista que se encontra num dilema existencial e não sabe como continuar.
Ela vai à janela numa noite enluarada e num prédio em frente há também uma
mulher debruçada em devaneios, e sobre elas uma lua cheia.
Lemos inúmeras escritoras mulheres e
falamos sobre nós e depois produzimos textos sobre as histórias contadas,
ouvidas, lidas. As leituras sobre a necessidade de uma atenção imprescindível
da criação das genealogias femininas e de um pacto de affidamento nos levaram aos caminhos de Eleusis onde nos juntamos à
Deméter que buscava sua filha Perséfone e começamos este caminho sem volta que
nos ensinou a questionar sobre as complexas relações entre as mães e as filhas,
estruturantes para todas nós.
Na festa de final de ano, no dia do
amigo oculto, tirei da bolsa um espelhinho pequeno, redondo e fiz com que cada
uma se olhasse no espelho e visse, ali no reflexo mágico, o resultado dos meses
de trabalho e estudo. Todas voaram pela janela infinita, todas cresceram e se
transformaram em mulheres maravilhosas. Curas de saúde aconteceram, livros
foram escritos e publicados durante o processo, textos foram publicados no
blog, mudanças de rumos de vidas, grandes e inadiáveis iniciativas para
melhoras e transformações. Éramos mulheres lendo mulheres e escrevendo, mas
éramos contadoras de histórias tentando compreender quem somos e o que
desejamos.
Vamos agora escrever juntas o livro
sobre esta experiência, Gaite. A casa onde trabalhamos, cenário dos nossos encontros
mágicos, onde tomamos chá de hibiscos e bolo de maçã compartilhando o
verdadeiro pão da alma e as romãs transmutadoras, não existe mais, foi
desmontada e permanece agora intacta na nossa memória e nos nossos corações. E
vamos continuar, abrindo janelas virtuais já que o trabalho se impõe e continua
soberano nas nossas vidas.
Escrevo-lhe para contar, minha querida
Gaite, que quando abrimos as janelas nem imaginamos que milagres podem
acontecer, e que quando nos olhamos nos espelhos junto com as outras mulheres,
já somos outras, inimagináveis e grandiosas.
Eu, de minha parte, agradeço sua
presença literária em nossas vidas, transformada numa mulher de muita fé e
agradecida à comunidade das mulheres leitoras e escritoras que transformou a
minha existência numa verdadeira festa, e me fez encontrar, definitivamente com
os meus pares no mundo e por isto acabo este ano em profunda gratidão.
Obrigada, mulheres ventaneras de
Brasília, foi um privilégio, uma emoção e uma alegria imensa cada minuto da
nossa convivência.
Abertos
os trabalhos para 2015!
Feliz
ano novo a todas.
Da
mestra com carinho.
Lélia
Almeida.
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