Porto Alegre, 21 de março de 2016.
Querida
jovem,
Lembro
que, desde tua primeira infância, cedo mesmo, trazias em ti uma necessidade de
aprovação. Querias muito ser aceita.
Aceita
pelo irmão do meio. No pátio da casa, ele, o primo e os dois inseparáveis
amigos, jogavam futebol ou disputavam campeonatos de bolita. Na garagem, as
partidas de jogo de botão. Na piscina, os saltos pretendidos ornamentais. Tudo
era gritaria, barulho, movimento e diversão. Desejavas participar da
brincadeira proibida. Da janela, apenas observavas.
Aceita
pela mãe virginiana, do lar, prendada, organizada, mulher de um homem só. Estudavas
com a mãe, que te explicava com as próprias palavras, as lições ditadas pela
professora do grupo escolar. Com ela aprendeste as artes e ofícios domésticos.
Aceita
pela irmã mais velha, bonita, alegre, simpática, sociável, culta, bailarina,
pianista, poliglota, extrovertida, enfim, brilhante. Foi ela quem descortinou para
ti o mundo das letras e da imaginação.
Aceita
pelo pai, empresário bem-sucedido, trabalhador, provedor, esportista,
inteligente e charmoso, teu ídolo. Foi o pai quem te ensinou a nadar, a gostar
dos números e de contar histórias e estórias.
Aceita
pelo irmão que saiu de casa aos 15 anos para estudar na capital, um respeitável
e desconhecido senhor.
No
turbilhão da adolescência foste invadida por novos sentimentos e inusitadas
sensações, mas, sobretudo, pelo medo. Medo de não ser amada. Medo de não saber o
que fazer para sobreviver. Medo de não ter como sobreviver. Medo de errar. Medo
de arriscar. Medo de transgredir. E, apesar dos pesares, ser aceita.
Querias
ser “mãe de filhos”, bailarina, cantora, pianista, “miss qualquer coisa”,
médica, engenheira, campeã de natação e tênis, costurar, cozinhar, tricotar,
escrever, viajar, dominar o inglês e o francês, enfim, querias tudo. Querias abraçar
o mundo e deixar nele marcada tua presença. Nesse tempo, o mundo se dividia
entre os bons e os maus.
O
teste vocacional aplicado no ginásio em nada te ajudou, pois tinhas condições
de ser tudo o que desejavas e ainda muito mais. Tantas decisões a tomar, tantas
perguntas sem respostas, tantas dúvidas.
Teu
ídolo caiu quando descobriste sua infidelidade à tua mãe. Tua família não era
perfeita. As pessoas não eram perfeitas. O mundo não era perfeito. Ficaste
infeliz e deprimida. Não percebeste, então, quão liberadora fora essa
descoberta: tu podias errar! Estava permitido!
Não
obstante, trilhaste um caminho, ao mesmo tempo, conservador e revolucionário. Cresceste,
namoraste, te apaixonaste, te decepcionaste, choraste, te despedaçaste, voltaste
a namorar, te casaste, fizeste filhos, trabalhaste, enlouqueceste, desejaste
matar, te encorajaste, te separaste, retomaste teus estudos, trabalhaste,
amaste, te graduaste, abriste caminhos, acertaste, erraste, trabalhaste,
choraste, desejaste morrer, riste, gargalhaste, cantaste, viajaste, estudaste, te
graduaste outra vez, te orgulhaste, trabalhaste ainda e, por fim, sobreviveste
e voltaste à solitude.
Hoje,
o bem e o mal estão onde estavam desde sempre: dentro de ti. Confirmaste a
veracidade dos versos do catalão Joan Manuel Serrat, que tomando emprestadas as
palavras do poeta sevilhano Antonio Machado, cantou “Caminante,
no hay camino, se hace camino al andar”. Não tens respostas para tuas perguntas.
Tens as respostas que deste a cada uma nas circunstâncias daquele momento. Tuas
dúvidas nunca se tornarão certezas. Tens as lembranças afetivas do que viveste
naquela situação. Não mais dependes da aceitação alheia. Descobriste que estás
em paz contigo mesma. Não precisas da opinião, nem da aprovação dos outros. Não
te arrependes de teus erros, só daquilo que deixaste de fazer. Conquistaste,
afinal, tua tão ansiada liberdade.
Lembro,
sim, embora ao fitar o espelho, corpo cansado e gasto, não mais reconheça tua
imagem, jovem sonhadora que ainda habita em mim.
Com ternura,
Irene Maria.